quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

14 de dezembro de 2009.

Tempo,

A nostalgia é inevitável no fim do ano. Todos começam a falar de um ano novo que vem por aí, aspirando zilhões de projetos novos. É uma época que, querendo ou não, revemos o que temos feito das nossas vidas, o que queremos que continue, o que queremos mudar radicalmente, enfim, o que queremos. Desde que me entendo por gente sou como aquela frase de Oswald de Andrade sobre o modernismo brasileiro: "não sabemos o que queremos, mas sabemos exatamente o que não queremos". Sei bem o que não quero. Sei da minha cabeça dura e teimosia, mas me revejo periodicamente e tento, na medida do possível e com respeito profundo à minha essência humana - demasiada humana, ser alguém melhor. Talvez mais por perfeccionismo e orgulho do que por um motivo bonito. Mas é sincero.

2009 me deu muitos presentes. E como todo mundo pode constatar em época de amigo oculto, não gostamos de todos os presentes que ganhamos. Mas nem por isso eles deixam de ter sua importância. Recebi muitas coisas neste ano, espero que saiba levar daqui pra frente e usar quando necessário.

De coisas concretas foram alguns shows e peças, algumas viagens, uma carteira de motorista, fotos com gente que sou fã, o pior porre da minha vida, ligações queridas, pessoas muito especiais que conheci, pessoas muito especiais que permanecem, alguns milkshakes de nutella e de alpino, dois estágios realizados e uma entrevista de emprego que não deu certo, vááários emails, um all star de presente de aniversário, "Divã" - o melhor livro que ganhei no ano, um parabéns regado a guitarra e confusões de sempre.

Das coisas intangíveis não há a possibilidade de listagem, visto que a cada dia tenho novas, velhas, inúmeras crises e muitas delas totalmente não-contáveis. Mas posso dizer que aprendi e estou tentando aceitar certas coisas.

Não acredito em uma vida sem gente por perto. Sem relações entre as pessoas. É por meio delas que a gente estipula e revê valores, que nos comparamos com o outro e podemos determinar que tipo de pessoa queremos ser e quais companhias queremos enquanto você deixar.

Vinicius de Moraes disse que algumas das pessoas que ele considerava amigos, nem sabiam que eram. É assim que me sinto, porque considero e dou valor a gente que nem sabe quem sou e que não sei exatamente quem são. Eu fui ver meu ex professor de flauta tocar em uma creperia e conheci um barman. Nós conversamos enquanto eu estava lá, desabafei com ele algo que me incomodava e só era digno de ser dito a um desconhecido. Acho que todo barman tem algo de psicólogo. Pois ele me ouviu e disse o que pensava. Não lembro o nome dele, mas isso não importa. Ele foi importante. E por falar em psicólogo, voltei a fazer terapia. Tinha tentado três vezes, mas odiei todas as psicólogas que fui. Acho que lido melhor com homem mesmo. Certas coisas que eu digo a ele, não contaria - e não conto - a um psicólogo. Só a um amigo. Faço estágio na biblioteca do Ministério Público e tenho preconceito com engravatados desde que nasci. Atendi um promotor que conversou comigo, brincou e riu comigo e me deixou um pouco mais flexível sobre isso. Ele também foi importante. Antes do MP, estagiei em um lugar que conheci duas pessoas demais. Uma delas era minha chefe. É uma das pessoas que mais me faz rir no universo junto com a outra pessoa que é super sensível e gente boa. Eu espero que você as deixe perto de mim. Comecei a ter aulas de flauta com um super cara. Sabe um super cara? Alguém que eu admiro desde que ouvi falar, e agora com muito mais motivo. Nunca tinha conhecido alguém da internet pessoalmente. Pois que uma amiga e companheira de blogs veio à minha cidade e fui vê-la. Foi bem mais fácil e proveitoso do que achei que seria. E ela ainda diz que eu que sou a desbocada. Teve também o guitarrista. O Marcelo Tas que autografou meu livro lindamente. O bombeiro que eu conheci no início do ano. O grego que pega o mesmo ônibus e conversa comigo sobre espiritualidade.

As pessoas são a salvação. Porque com elas aprendemos a nos desiludir.

"Desilusão é simplesmente parar de acreditar que se é mais esperto que os outros"

Neste ano descobri que não sou nada esperta.

2009 me fez, finalmente, entender que por mais que se conheça, seja amiga, ande junto, considere, ame alguém, vai ferir essa pessoa e que a recíproca é certa. Que por mais que as pessoas me conheçam - e sim, em alguns pontos elas me conhecem melhor que eu mesma - elas não deixarão de fazer algo que vai ferir em função de seus interesses. E que eu farei a mesma coisa. Eu aprendi que um amigo que gosto muito dirá coisas que vão me machucar e ele não vai achar isso nada demais, não se dará conta disso e que, em algum momento, será preciso me afastar. Vi que muitas vezes as pessoas que tanto consideramos, que nos importamos e procuramos não farão o mesmo. E basta o silêncio pro contato acabar. Entendi que depois de dizer coisas que tenham ferido uma amiga querida não há como voltar atrás. Mesmo que ainda haja respeito e admiração, certas coisas não voltam a ser como eram antes. E posso conhecer alguém que inicialmente não faz muito bem, mas você e a convivência não deixam o lado bom passar despercebido.

Sabe, eu sei que nunca me dei muito bem contigo, mas reconheço que nossa relação tem melhorado. E que sempre foi por minha causa. No fundo, no fundo, você nunca quis me sacanear. Eu é que entendi tudo errado.
Tempo, eu só espero que em 2010 eu aprenda mais coisas. E com tanta intensidade como em 2009.

Obrigada por tudo,

Cissa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Nascer é uma novidade e é um choque."








"Não acredito que haja apenas uma maneira de viver, com aventuras parcialmente aceitas e alguns excessos tolerados."

Gosto da Martha Medeiros. Recebi algumas crônicas por email, comprei um livro, gosto da maneira como ela se posiciona a respeito dos assuntos, da maneira como escreve. Há algumas semanas ganhei de aniversário um livro dela. Divã.

O professor de uma matéria que fiz chamada "Idéias filosóficas em forma literária" disse que ler um romance vale a pena quando há mudança a partir da leitura. Eu era uma pessoa antes de ler "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" de Clarice, ou melhor, eu era uma antes de conhecer Lispector e sou outra a partir do momento em que a conheci. O mesmo acontece com Vinicius, Kundera, Carpinejar, Drummond e tantos outros.

Agora sou outra depois de "Divã". O livro mexeu com as minhas estruturas, não porque as tenha mudado radicalmente, mas porque as vi tão legitimadas, tão cheias de razão, com tanto sentido em mim que me deixaram confusa e sem saber como eu acho que as coisas devem ser.

A partir da análise da sua vida, Mercedes consegue identificar e reproduzir a transitoriedade da vida, a angústia disso tudo que passa e é tão difícil aceitar. O casamento, um rolo, a partida de uma amiga, por uma razão ou por outra. O fato é a ausência que invariavelmente fica com a partida de quem vai.

"Aprender a conviver com o efêmero é uma das tarefas mais duras que a vida impõe."

Mais do que isso, pra mim, o livro é uma desconstrução do que disseram que é certo e do que deve ser feito. Aponta a falta de respostas e que cada um que encontre a sua. Fala, sobretudo, do que é humano, de todos esses sentimentos confusos e do número de possibilidades que a vida oferece e que nós, normalmente, limitamos a uma só porque foi o que nos disseram. Este livro é a liberdade.

"Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem um manual de instruções."

A partir do livro procurei ver o filme e é estranho ver tanta coisa platônica - ou seja, o que estava no campo das idéias - materializada. Faria coisas diferentes, diria o texto em tom diferente. Gostei do filme, mas acho o livro profundo demais pra ser materializado. Acho que entendi o mundo das idéias de Platão e da nossa cópia imperfeita agora.

"Para onde vai tudo o que a gente pensa e reprime, tudo o que a gente ouve e estoca, tudo o que a gente lê e compreende, tudo o que a gente vê e não toca? Para onde vão as idéias que a gente consome e os sentimentos que nos envergonham?"

A partir das nossas leituras é possível partilhar a vida com o outro, é possível nos colocar no lugar do outro e é assim que paramos de julgar para compreender. Eu compreendo Mercedes.

"Sozinha a gente apenas se preserva. A nossa existência, pra valer, só se confirma através dos outros."

Ao ser levado aos tribunais por causa do escândalo causado por Madame Bovary, Flaubert disse a famosa frase: "Emma Bovary c'est moi".

Mercedes é uma mulher de mais de quarenta anos, com filhos jovens, separada, amante das artes plásticas.

Eu tenho vinte e dois anos, não tenho filhos e não sei se quero ter, não tenho marido e não sei se quero ter, e um dia, mesmo que distante, quero tocar flauta bem.
Por todas essas diferenças por fora e tanta semelhança ao chegar mais perto é que digo:

Mercedes sou eu.