"Não acredito que haja apenas uma maneira de viver, com aventuras parcialmente aceitas e alguns excessos tolerados."
Gosto da Martha Medeiros. Recebi algumas crônicas por email, comprei um livro, gosto da maneira como ela se posiciona a respeito dos assuntos, da maneira como escreve. Há algumas semanas ganhei de aniversário um livro dela. Divã.
O professor de uma matéria que fiz chamada "Idéias filosóficas em forma literária" disse que ler um romance vale a pena quando há mudança a partir da leitura. Eu era uma pessoa antes de ler "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" de Clarice, ou melhor, eu era uma antes de conhecer Lispector e sou outra a partir do momento em que a conheci. O mesmo acontece com Vinicius, Kundera, Carpinejar, Drummond e tantos outros.
Agora sou outra depois de "Divã". O livro mexeu com as minhas estruturas, não porque as tenha mudado radicalmente, mas porque as vi tão legitimadas, tão cheias de razão, com tanto sentido em mim que me deixaram confusa e sem saber como eu acho que as coisas devem ser.
A partir da análise da sua vida, Mercedes consegue identificar e reproduzir a transitoriedade da vida, a angústia disso tudo que passa e é tão difícil aceitar. O casamento, um rolo, a partida de uma amiga, por uma razão ou por outra. O fato é a ausência que invariavelmente fica com a partida de quem vai.
"Aprender a conviver com o efêmero é uma das tarefas mais duras que a vida impõe."
Mais do que isso, pra mim, o livro é uma desconstrução do que disseram que é certo e do que deve ser feito. Aponta a falta de respostas e que cada um que encontre a sua. Fala, sobretudo, do que é humano, de todos esses sentimentos confusos e do número de possibilidades que a vida oferece e que nós, normalmente, limitamos a uma só porque foi o que nos disseram. Este livro é a liberdade.
"Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem um manual de instruções."
A partir do livro procurei ver o filme e é estranho ver tanta coisa platônica - ou seja, o que estava no campo das idéias - materializada. Faria coisas diferentes, diria o texto em tom diferente. Gostei do filme, mas acho o livro profundo demais pra ser materializado. Acho que entendi o mundo das idéias de Platão e da nossa cópia imperfeita agora.
"Para onde vai tudo o que a gente pensa e reprime, tudo o que a gente ouve e estoca, tudo o que a gente lê e compreende, tudo o que a gente vê e não toca? Para onde vão as idéias que a gente consome e os sentimentos que nos envergonham?"
A partir das nossas leituras é possível partilhar a vida com o outro, é possível nos colocar no lugar do outro e é assim que paramos de julgar para compreender. Eu compreendo Mercedes.
"Sozinha a gente apenas se preserva. A nossa existência, pra valer, só se confirma através dos outros."
Ao ser levado aos tribunais por causa do escândalo causado por Madame Bovary, Flaubert disse a famosa frase: "Emma Bovary c'est moi".
Mercedes é uma mulher de mais de quarenta anos, com filhos jovens, separada, amante das artes plásticas.
Eu tenho vinte e dois anos, não tenho filhos e não sei se quero ter, não tenho marido e não sei se quero ter, e um dia, mesmo que distante, quero tocar flauta bem.
Por todas essas diferenças por fora e tanta semelhança ao chegar mais perto é que digo:
Mercedes sou eu.
6 comentários:
Mercedes é, sobre tudo, a representaçao mais pura do ser humano: que sofre, que sorri, que vive a vida buscando uma perfeição que, no fundo, sabe que não existe. Complexo? É... Mas parece que tudo que envolve o ser humano, envolve também complexidade. Vai entender! rs...
Eu não li o livro (ainda), mas posso dizer que não acho que ele tenha sido materializado no filme. Ele foi, sim, transformado em outra linguagem. E pelo visto vc ainda prefere as palavras, não é dona Cissa? :p
Nem precisava dizer, mas vou fazê-lo: continue escrevendo!!!! :)
beijocas
Tá... eu quero ler!
Depois desse post... enfim!
Será que eu sou um pouco Mercedes tbm?
Pq Clarice é uma que me dá na cara sempre q leio - por vezes até evito. Caio Fernando é outro q me bate sem dó...
Uma aprendizagem foi um espancamento em praça pública...
Deu medo da Matha agora - q eu nunca temi!
Enfim
O livro parece ser bem interessante. E interessantes também os motivos pelos quais você se identificou com ele, ou ela. De qualquer modo, Mercedes, a sugestão está anotada.
PS: lay novo? Tempestade em copo d'água? Pôxa, bacana!
Fiquei curioso pra conhecer Mercedes agora.
Depois de ler seu texto me interessei muito pela Martha. Peguei essa frase do efêmero q vc retirou do livro dela e pus no meu blog, vc se importa? É que o tema do meu blog é efemeridade.
Você já leu: "Mulheres Que Correm Com os Lobos" da Clarissa Pinkola Estés?
Se não leu, leia AGORA!
Esse também é um livro PODEROSO e que abala todas as estruturas... p/ o bem, claro!
Feliz 2010... muita saúde, paz e amor!
Beijos,
Adriana.
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