domingo, 29 de novembro de 2009

'outras frequências'

Pra mim, há uma grande diferença entre barulhos e sons.

Barulho é aquilo que acontece de manhã. Aquilo que confunde meu cérebro quando acordo, que irrita. É ter de conversar de manhã cedinho. Odeio barulho de liquidificador de manhã cedinho. Odeio barulho de manhã cedinho.

Nas músicas é fácil identificar o que mais gostamos de ouvir, aquilo que nos toca. Adoro a flauta da Madalena nas músicas do Oswaldo, o teclado em "Ponto Fraco" do Barão Vermelho, a gaita nas músicas do Chimarruts, as quatro primeiras notinhas da guitarra em "Cheia de Manha" do Móveis, a percurssão que arrepia do Cordel, cada detalhe muito pensado nas músicas do Engenheiros, do 'ta-ra-taan' no início de "I'm yours" ou o 'tan tan tan' que meu pai faz no violão no meio de "A Rita" do Chico Buarque.

Mas o que mais gosto é de pensar nos sons bobos e discretos do dia-a-dia, que na maioria das vezes estão lá, tão depercebidos, completando nossa vida sem que nos demos conta.

Eu gosto, por exemplo, do som discreto que o grafite faz ao riscar o papel. E como eu sou canhota, tenho mania de arrastar as páginas do lado direito do caderno pra escrever desde o início da linha, e gosto de ouvir uma folha arrastando na outra. Também gosto do som das folhas dos livros quando passamos muito rápido e de quando colocamos um livro sobre o outro. Um barulho - irritante pra maioria - que gosto é do apito da máquina que magnetiza/desmagnetiza livros na biblioteca. E também quando estamos organizando os livros no carrinho.

Gosto de som de coceira. de espirro. do pente no cabelo. do cortador de unhas. barulho de lixa me dá gastura. gosto do giz no quadro e de quando o professor pinga os 'is' com força com o pincel no quadro branco. do som do teclado quando eu digito rápido. das roupas sendo estendidas no varal. da caixa da minha flauta quando fecha. das portas do guarda-roupa fechando devagar. da janela sendo aberta. da água enchendo o copo. do gás do refrigerante escapando da garrafa. de sussurro. de beijo. de respiração. de esguicho de perfume. da tampa do hidratante. de abrir papel de presente. de pisar em folhas secas. de brincar de escorregar em chão ensaboado.

Me dei conta há pouco - ou melhor, soube expressar há pouco - de que gosto muito do som dos passos das pessoas. Gostava de ver o desenho do scooby-doo só para vê-los correndo e ouvir muitos passos ao mesmo tempo.

Mas gosto mesmo, mais ainda, do silêncio. Do silêncio das palavras e - algumas vezes - do pensamento. Porque só assim mesmo pra gente parar e ouvir isso tudo.