domingo, 14 de fevereiro de 2010

esboço do rascunho do texto.

Lá pela madrugada, entre um gole de café e uma página de Nietzsche, Madalena pensava em tudo o que vinha lhe acontecendo. Incrível como depois de tanto tempo havia o mesmo medo, a mesma dúvida sempre. Não gostava de admitir, mas no fundo entendia muito bem todos aqueles a quem julgava. Julgava simplesmente para disfarçar. Certa vez ouviu a irmã dizer numa conversa de boteco que mulher que fica com homem casado é vagabunda mesmo. E como não concordar? Não concordar assinaria um atestado de culpa. Não concordar mostraria uma possível fraqueza. Quantos de nós não concordam aparentemente com o dito para não precisar dar explicações ou ser mal interpretado - ou interpretado exatamente como somos?

"Sim, o que nos obriga afinal a admitir que haja uma oposição fundamental entre 'verdadeiro' e 'falso'"?

Minutos antes lera a afirmação de Nietzsche sobre a verdade relativa, sobre a verdade que cada filósofo carrega dentro de si e dentro de suas obras. Consequentemente a parcela de verdade que cada um de nós possui. E da parcela que suportamos. O que é a verdade, afinal?

A verdade é que cada momento seus conceitos se desmanchavam e cada pedaço de vida vivida, cada suspiro, cada pessoa fazia Madalena relativizar mais. A verdade é que criamos barreiras para não enlouquecer e Madalena só tentava se salvar. Como todos nós. A verdade é que tudo é uma grande mentira. A verdade é que estamos perdidos e sós.

Decidiu ir deitar e enquanto se virava de um lado para outro, vinha a imagem dele em seu pensamento. Mas quando se voltava para o lado direito, o 'ele' que aparecia era outro. Como admitir vontades e desejos? Como conciliar tanto sentimento? Como viver na verdade inventada por uma sociedade que se baseou em uma felicidade pré determinada para fundamentar a construção do Estado?

A verdade é que Madalena precisava se sentir viva com acontecimentos novos e intensos. Mas gostava de se sentir segura, de ter um porto para onde voltar. Seu porto era aquela cama, com aquele homem do lado, aquele cheiro conhecido, olhos já decifrados e a falsa segurança de ter aquilo tudo para sempre. Queria ir, mas precisava ter para onde voltar. E com medo de não conseguir voltar, Madalena nunca seguia. Nunca por falta de vontade, apenas por medo.

Madalena decidira por um minuto dar rumo novo à vida. Levantou da cama, separou rapidamente algumas roupas, colocou-as em uma maleta, beijou o rosto do homem deitado ao seu lado e foi. De camisola e pantufas. Assim, exatamente como estava. Andou até o portão de sua casa e olhou para trás. Lembrou de tantos anos, de tudo o que fora deixado de lado, dos sonhos não concretizados. Lembrou do sorriso daquele homem. Lembrou de suas mágoas, das brigas e implicâncias de tantos anos, de seus olhos e da falta de necessidade de qualquer explicação. Ele sempre entendia. 

Então Madalena tirou as pantufas e foi. Ou melhor, voltou. 

8 comentários:

Juca disse...

Me lembro (de algo como): me dói olhar aquela porra de aliança no dedo dele e achar tudo uma droga. Mas isso já faz muito tempo.

Ainda assim, acredite quando digo: de verdade, eu te entendo. No melhor estilo de Madalena, também já voltei... mais de uma vez, se é que você me entende.

Carol Rodrigues disse...

Fiquei com pena da Madalena sem nem entender pq. Depois que compreendi foi mais triste, percebi que era um pouco de auto piedade

Que coisa heim?

Bruno disse...

E é preciso coragem para voltar.

Dayane Abreu disse...

Isso é pra mim?

Eu gosto pra caramba do jeito como você escreve.

E adorei o final. É quase uma sugestão pra minha vida.

Lua Durand disse...

Texto bonito, fazia tempo que não lia um assim pela blogosfera.
Madalena, representa bem tantas e tantas pessoas lá fora.
Eu mesma também ja me senti assim, como ela.
E o que é a verdade afinal?
Tantas e tantas respostas para uma única pergunta.
Mas, acredito um pouco, que a verdade é o que vai no coração de cada um.
Voltarei mais vezes.
Passa pra um café, depois.

Kamilla Barcelos disse...

Esses momentos que escolhemos para dar uma virada na nossa vida é preciso ter coragem, igual a Madalena. Acho que eu preciso ser um pouco Madalena tb.

dani.ella disse...

engraçado como conseguimos entender tão bem o relativismo da verdade lendo textos de caras como Nietzsche e não conseguimos colocar em pratica, não é?!

Madalena tem total consciência disso, dessa nossa fraqueza... mas não incapacidade

Ps. gostei do jeito como em um conto simples, você conseguiu explorar uma idéia tão abrangente. Parabéns, moça!
=)

Yaciara disse...

Como eu não havia descoberto esta preciosidade antes?

Em relação a Madalena... me lembrou demais Maria Madalena, a prostituta. Ela sim teve coragem de enfrentar o que ela realmente era e de ser quase apedrejada (vamos pular o desfecho religioso, né), agora, me questiono sempre: quem tem coragem de ser apedrejado hoje? De defender suas verdades mesmo que elas incomodem? Eu já dei concordei, como Madalena, muitas vezes para não me explicar também. Confesso que não me arrependo, tentar explicar a minha verdade ou a verdade de cada um é mais difícil que parece. Pode parecer falsidade, mas é apenas preguiça de convencer. Não sei se é bom ou ruim, mas me livra de bastantes problemas. Não sei quando isso tornará pesado para mim, já que tenho que me anular algumas vezes... veremos.

Obrigada por este presente!