domingo, 12 de julho de 2009

desabafo

(ou "3ª do plural" ou "quem são eles, quem eles pensam que são?")

Sábado a tarde, almoço na frente da T.V., inércia na rede globo, Caldeirão do Huck, admito. O quadro era aquele da reforma da casa das pessoas. Todas as vezes que vejo esse quadro, fico indignada. Sei que emociona ver a estória triste da vida de pessoas sofridas - maioria nesse país - e ver a casa simples se transformar em cenário de novela. É claro que nosso impulso ao ver essas coisas que nos comovem (com a consciência de que a comoção faz parte do show deles) é de pensar que eles merecem sim. E que fique bem claro: todo mundo merece ter uma casa bonita, bacana, confortável. E daí parte a minha revolta.
Luciano Huck e a Rede Globo passam a imagem de que estão fazendo um imenso favor e caridade por reformar casas e carros em um programa de televisão. E enquanto assistimos ao programa, esquecemos de que cada detalhe, cada um daqueles brindes agregados é fruto dos patrocinadores que pagam caro para aparecer ali como pessoas conscientes das dificuldades alheias, super caridosas e preocupadas e nos fazem pensar como eles são bonzinhos. A consequência é consumir o produto oferecido por eles. Pagamos caro, em muitos sentidos, para cada reforma feita - coisa que todo mundo deveria ter direito de poder fazer.
Esquecemos que eles se aproveitam da pobreza para ganharem um pouco mais de dinheiro. Há quem diga que eles ajudam, sim, as pessoas. Para quem olha pelo lado imediatista e pontual, tudo bem, eu concordo. Estou na minha casa precisando de algo, alguém bate na minha porta e oferece isso. Olhando de uma forma simplista, ok, é 'ajuda'. Mas ao olharmos tudo o que cerca esse tipo de iniciativa, vemos o quanto é um jogo sujo.

Nesse programa que vi, Luciano Huck perguntava a uma criança - filho do casal que tinha sua casa reformada - como era o seu quarto, para poder fazer uma comparação. A criança fez questão de enfatizar que tinha rachaduras, que era um quarto feio e sem pintura. Enfim, depreciou seu antigo quarto já sentindo, inconscientemente, orgulho de ser um coitado digno de ter seu quarto reformado.
Nesse tipo de programa é assim que funciona: quanto mais coitado, melhor. Isso me lembra o filme "Quanto vale ou é por quilo" e a frase: "A bondade é o melhor status que o ser humano pode comprar". É exatamente o que eles fazem conosco.
Se as emissoras de televisão, se os apresentadores, se nós estivéssemos um pouco mais preocupados com a injustiça do país, de como é um absurdo existirem pessoas com casas sem as acomodações necessárias, confortáveis, e pior (!), gente que não tem casa, não tem dinheiro para comprar um par de chinelos, conduziríamos nossas vidas de outra maneira. Nós permitimos que meia dúzia de gente mande no mundo inteiro, nos deixamos seduzir por ilusões criadas por essas pessoas para que continuem a decidir o que e como fazer. E nós, bobos, crianças mimadas, que queremos tudo a tempo e a hora, sem esforço nenhum, fazemos suas vontades a troco de sossego.
Um programa de T.V. preocupado com desigualdades e injustiças, denunciaria fatos e pessoas, nos informaria sobre leis e direitos, mostraria opções, nos ajudaria a exercer uma palavra bonita, mas que não conhecemos seu real significado, a cidadania.
Desta forma, o caldeirão do huck não precisaria mais fazer favor pra ninguém.

sábado, 4 de julho de 2009

Da vida ideal que deveríamos ter

(ou "quero entender e não acomodar com o que incomoda".)

Ao observar as pessoas na rua, de um lado para o outro sempre correndo no dia-a-dia, ao parar pra perceber suas atividades, trabalhos, vontades e sonhos, podemos notar a discordância disso tudo: da vida que acontece arduamente e da que acontece na nossa imaginação.
Tenho a convicção de que cada ser humano tem suas aspirações e sonhos, ainda que não pare pra pensar nisso conscientemente. E caso não tenha, ao meu ver, é porque não foi apresentada àquilo que faria diferença significativa.
Há tanta gente incrível no mundo. Com habilidades, sonhos, idéias, pensamentos, charmes, olhares, sorrisos, mãos, inteligências diferentes e encantadoras. Há pessoas que desenvolvem trabalhos e têm atitudes surpreendentes e mesmo não (re)conhecidas estão lá, tentando.
Ouvimos desde crianças que quando fazemos o que gostamos, fazemos melhor o nosso trabalho e somos mais felizes. Com o tempo isso tudo vira um imenso clichê e nos esquecemos do real significado desse pensamento. Esquecemos do que nos alivia, do que nos emociona e arrepia, do que é importante para que vivamos melhor.
Se temos condição de buscar o que queremos e gostamos, vamos assim que dá vontade. Mas infinitos motivos nos afastam e é preciso não amnesiar com ilusões do cotidiano e do senso comum para não desistir. Não acomodar é muito mais difícil do que parece.
Da vida ideal que merecíamos, deveríamos desde crianças ser expostos ao máximo de lugares, conhecimentos, línguas, idéias, artes possíveis, ter acesso a muitas das coisas existentes no mundo para que nossa possibilidade de escolha fosse um pouco maior, para que pudéssemos ter descobertas novas e surpreendentes constantemente.

Da vida ideal que deveria ser a real, a gente deveria poder viver bem do que quisesse.